Índice da Obra     Anterior: 4 Liberalismo: Premissas e Sistema Políticos     Seguinte: 6 – Falhas do Marxismo: Premissas e Modelo de Organização


5 – FALHAS DOS ATUAIS MODELOS DA DEMOCRACIA LIBERAL

A fim de podermos perceber claramente como os problemas mundiais estão relacionados com as falsas concepções de ser humano (que fundamentam tanto o Liberalismo quanto o Marxismo) faz-se necessário criticarmos as grandes instituições sociais derivadas dessas falsas concepções, principalmente seus modelos de organização política.

Como já examinamos nos capítulos iniciais, tais concepções de ser humano são falsas porque não apreendem satisfatoriamente os aspectos da unidade e da diversidade, que são fundamentais para uma correta compreensão da realidade humana, tanto individual quanto coletivamente considerada.

Essa análise das grandes instituições é necessária porque, como dissemos, essas instituições são aplicações práticas, ou modelos que estruturam concretamente a vida das pessoas. E essas instituições são, por sua vez, diretamente derivadas desses pressupostos abstratos, ou dessas premissas filosóficas a respeito do ser humano.

Com um pouco mais de precisão, devemos dizer que essa intermediação, entre as ideias e as grandes instituições sociais, ocorre em primeiro lugar através da influência das ideias dominantes ao nível da elite (o grupo de maior abrangência cognitiva).

Essa intermediação através da elite sempre ocorre porque são as ideias, os valores e o consequente comportamento da elite que se projetam inevitavelmente sobre o todo da sociedade, sob a forma de suas principais instituições, sobretudo o sistema de organização política.

Já examinamos no Capítulo 3 – Diferenças de Capacidade Entre os Seres Humanos – o quão avassaladora é a influência da elite, não sendo necessário repetir aqui esse aspecto fundamental para a compreensão das sociedades.

Consideremos um exemplo bem atual, que leva em conta um dos “dogmas” dessa época: – Se a elite de uma dada sociedade aceitar o grande princípio de que os seres humanos possuem capacidades semelhantes (igualitarismo), isso projeta toda uma visão de mundo, e essa visão dá forma a todo um conjunto de valores éticos (o que é justo ou injusto, correto ou errado, bom ou mau). E esses valores éticos dominantes no campo da elite, necessariamente, darão forma (ou se projetarão) como as grandes instituições daquela sociedade. Mais adiante veremos como o igualitarismo trata-se de um conceito fundamental, e que se projeta nas principais instituições sociais, tanto no campo do Liberalismo, quanto do Marxismo.


Importância do Modelo de Organização Política

Entre todas as principais instituições de uma sociedade, concretizadas como projeções das ideias e dos padrões de comportamento que são dominantes ao nível da elite, a mais crucial ou vital, aquela da qual necessariamente dependem as outras grandes instituições, é o modelo ou a forma como o poder é organizado e distribuído dentro desse corpo social.

É claro que todas as grandes instituições de uma sociedade (políticas, econômicas, educacionais etc.) interagem e influenciam-se mutuamente e, portanto, a importância de qualquer uma delas não deve ser negligenciada. No entanto, todas as leis fundamentais, que em grande medida balizam a existência dessas instituições, bem como os processos de tomada de decisões que envolvem imensas quantidades de recursos, dependem vitalmente da forma como o poder é organizado.

Isso porque é a estrutura política que regulamenta a maneira como serão escolhidos os principais legisladores e demais governantes. E são eles que decidirão a respeito das principais leis constitutivas das grandes instituições sociais, bem como são eles que decidirão a respeito da aplicação prática de gigantescos volumes de recursos.


Efeitos da Não Compreensão da Unidade e das Diferenças

A forma como se estrutura ou se organiza o poder é, portanto, crucial para o bem-estar de qualquer sociedade. A compreensão desse ponto não parece ser muito difícil e talvez seja uma coisa razoavelmente bem conhecida.

No entanto, mesmo ao nível dos indivíduos com maior abrangência conceitual (elite), as pessoas encontram enormes dificuldades para perceber que as grandes instituições que organizam e distribuem o poder, isto é, os sistemas políticos, tanto do Liberalismo quanto do Marxismo, são muito inconsistentes, ou muito incompetentes no cumprimento de sua função básica de organizar o poder numa sociedade.

Assim sendo, na atualidade, a grande maioria, mesmo dentre aqueles com maior abrangência conceitual, falha em perceber que é precisamente a incompetência dessas instituições que é diretamente responsável por grande parte dos graves problemas enfrentados por essas sociedades.

Essa dificuldade generalizada de perceber claramente o fracasso desses modelos tem como explicação o fato de que somente é possível essa percepção quando se leva em conta tanto a unidade fundamental dos seres humanos, quanto as suas enormes diferenças de capacidades mentais e morais (ou de caráter). Esses são os dois aspectos absolutamente fundamentais em qualquer visão realista dos seres humanos coletivamente considerados. E é a má compreensão desses dois aspectos onde falham tanto o Liberalismo quanto o Marxismo.


Importância do Princípio ou Lei da Fraternidade dos Seres Humanos

Em razão dessa falha de compreensão, tanto do Liberalismo quanto do Marxismo, é da maior importância a perspectiva da humanidade como constituindo uma fraternidade (o princípio ou lei de que todos são como irmãos), uma vez que é a única visão que engloba e harmoniza esses dois aspectos fundamentais, e aparentemente contraditórios, da unidade e da diversidade. Também por essa razão nos preocupamos tanto em apresentar inicialmente um panorama acerca da unidade fundamental e das diferenças de capacidades entre os seres humanos.

Nos capítulos finais dessa obra procuraremos retomar essa questão da relevância decisiva da lei da fraternidade de todos os seres humanos, como uma alternativa consistente de fundamentação filosófica para novos e melhores modelos políticos, ou, se quisermos, para uma verdadeira (justa e competente) democracia.


As Duas Funções Principais de um Sistema Político

Quando levamos em conta esses dois aspectos (da unidade e da diversidade), fica claro que o sistema de organização política em qualquer sociedade deve responder, sobretudo, a duas grandes necessidades relativas à organização do poder.

A primeira dessas necessidades é oferecer um bom processo de escolha dos principais legisladores e demais governantes. Um processo por meio do qual possam chegar aos cargos de maior responsabilidade na sociedade os indivíduos realmente mais capacitados, tanto em termos ético-morais, quanto em termos de conhecimentos, gerais e especializados, que são necessários ao exercício dessas funções.

A segunda necessidade é garantir que esses dirigentes sejam dotados dos meios de coerção adequados, isto é, de uma quantidade suficiente de poder ou força, de modo que eles sejam capazes de garantir o respeito à norma legal. Tais normas são o resultado de decisões emanadas desses legisladores e governantes, e se não houver o poder suficiente para implementá-las na prática, todo o sistema político fica comprometido.

É indispensável que haja uma clara compreensão a respeito da importância decisiva dessas duas funções principais de um sistema político. Isso é decisivo tanto para que se possa elaborar um bom diagnóstico das falhas dos sistemas atuais (e, assim sendo, para que se entenda como são gerados os problemas mundiais), quanto para que se vislumbre a possibilidade da construção de um modelo de organização social satisfatoriamente harmônico. Por essa razão examinaremos a seguir cada uma dessas funções.


O Processo de Escolha dos Governantes

A primeira necessidade, portanto, é a de um justo e competente processo de escolha dos governantes. Se levarmos em conta as enormes diferenças de capacidades (e, em consequência, os inevitáveis diferentes níveis de abrangência da consciência social dos seres humanos), perceberemos de imediato que esse aspecto é absolutamente essencial, e que não pode deixar de ser bem equacionado, sob pena de acarretar consequências simplesmente desastrosas para o bem-estar de toda a sociedade.

Um competente processo de escolha das lideranças é imprescindível porque as questões atinentes a uma nação inteira, e ao seu relacionamento com outras, são muito vastas e complexas. Desse modo, apenas muito poucas pessoas – apenas aquelas mais capacitadas em termos de conhecimentos e também mais altruístas – é que estarão aptas para compreender e administrar apropriadamente essas questões.

Assim sendo, os requerimentos inerentes ao exercício competente dos cargos de maior responsabilidade em uma nação são muito grandes e, desse modo, exigem que o processo de escolha assegure que chegarão até esses cargos os indivíduos devidamente capacitados, que serão seguramente muito poucos. Tudo isso evidencia o fato de que o sistema de escolha dos dirigentes deve ser excepcionalmente bem estruturado. Do contrário, isso inevitavelmente comprometerá o bem-estar da sociedade como um todo. Isto porque, é em torno desse sistema de seleção dos principais legisladores e governantes que a sociedade se organiza e desenvolve toda a sua vida.

Se examinarmos o exemplo muito mais simples de uma grande empresa, perceberemos com facilidade que o fato de não se colocar os mais capacitados nos postos de chefia implica num desperdício enorme de recursos e, com frequência, no fracasso da empresa. Que dizer então para o caso das nações, que são realidades muito mais complexas e muito mais vastas? Nesse caso, não escolher aquelas poucas pessoas qualificadas para exercer as funções de maior responsabilidade, significa a certeza não apenas de imensos desperdícios, mas de catástrofes físicas e morais, que é bem o quadro que podemos observar no panorama nacional e mundial atual.


A Necessidade de um Suficiente Poder de Coerção

Além de pessoas capacitadas nos cargos de maior responsabilidade, há também a necessidade da existência de um suficiente poder de coerção em suas mãos. Esse segundo aspecto é igualmente decisivo a fim de garantir que as decisões dos governantes sejam realmente postas em prática. Isso, sobretudo, em vista do fato que uma das principais características sociais do mundo atual é a existência de gigantescas organizações, públicas e privadas, as quais detêm um poder imensamente grande em suas mãos, e o usam para a realização dos seus interesses e objetivos privatistas (seja nas corporações públicas, ou nos grupos privados).

Como não é difícil de constatar, mesmo as organizações públicas desenvolvem um “espírito de corpo”, isso é, interesses corporativos, e usam o seu enorme poder em prol desses interesses. É evidente que isso ocorre ainda muito mais no âmbito dos grandes grupos privados. Dentro desse cenário, se os dirigentes do Estado não estiverem dotados de um suficiente poder de coerção, não haverá a menor chance de que esses interesses gigantescos possam ser regulados e harmonizados em prol dos interesses maiores do bem-estar coletivo.

O modelo atual de organização política do Liberalismo, ou seja, as formas de democracia liberal de nossos dias, oferece respostas muito pouco satisfatórias a qualquer uma dessas duas necessidades.

De um lado, a democracia liberal na atualidade oferece um processo de seleção aos postos de maior responsabilidade que nem de longe seleciona aqueles poucos realmente capacitados para o exercício dessas elevadas e pesadas responsabilidades.

E, de outro lado, gera uma estrutura estatal débil, totalmente à mercê dos grandes interesses corporativos, isso é, das gigantescas organizações públicas e privadas, cuja existência, como dissemos, é uma das características mais marcantes das sociedades atuais.


A Liberdade

Tentemos entender a razão dessa dupla insuficiência das formas atuais da democracia liberal. Imaginemos inicialmente um processo de seleção qualquer, um concurso público, por exemplo. Se quiséssemos que ele fosse um processo de seleção sério, justo e competente, isto é, um processo que realmente tivesse uma boa probabilidade de escolher os mais capacitados de uma dada população, quais seriam suas condições necessárias?

Em primeiro lugar deveria existir liberdade para qualquer pessoa participar, a fim de que ninguém fosse de antemão excluído do concurso. Se uma parte da população fosse excluída a priori, digamos aqueles que têm a pele amarela, nada nos garantiria que dentro daquele grupo, pequeno ou grande, da população que possui a pele amarela, não contivesse pessoas muito qualificadas. Assim sendo, a liberdade é um ingrediente indispensável de um processo justo e competente de seleção dos mais qualificados.


A Igualdade de Oportunidades

Em segundo lugar, não deveria haver privilégios no processo de escolha, isto é, deveria haver igualdade de oportunidades na disputa, pois se alguém, por exemplo, tivesse o privilégio de saber antecipadamente as questões da prova, essa pessoa certamente obteria o primeiro lugar, mas isso não teria valor algum, não provaria coisa alguma. Isso viciaria irreparavelmente o processo de seleção, tornando o processo injusto e incompetente em relação ao seu verdadeiro propósito, que é selecionar os realmente mais capacitados.


A Adequação Entre Funções e Capacidades

Finalmente, deveria haver uma grande adequação entre o grau de dificuldade da prova e a função para a qual ela está selecionando os mais capacitados, e ainda a qualificação ou o nível de compreensão da população em questão. Se, por exemplo, um exame estivesse selecionando auxiliares de escritório, de nada adiantaria uma prova que contivesse apenas questões de cálculo integral. De um lado, esse conteúdo não estaria adequado ao grau de dificuldade, ao tipo e à responsabilidade da função e, de outro, a população alvo pouco entenderia das questões, tornando o processo de seleção muito pouco significativo. Isso quer dizer que deve haver uma adequação entre as competências requeridas e o nível de compreensão dos candidatos a serem examinados.

Essas condições são praticamente universais em relação a qualquer processo de seleção, e o caso de um sistema político que busque ser justo e competente não se constitui em nenhuma exceção a essas regras. Examinemos, então, cada uma dessas condições necessárias em relação ao principal processo de seleção das atuais democracias liberais, isto é, em relação ao seu sistema político eleitoral.


O Equívoco das Eleições de Grandes Massas

A liberdade de participação e expressão é um valor universal, inerente à dignidade humana, e qualquer cerceamento a priori da possibilidade de alguém, ou de algum grupo, participar do processo político viciará o processo de escolha. Falando apenas em termos gerais, a garantia dessa liberdade de participação, de expressão, de organização etc., costuma ser razoavelmente bem atendida nas atuais democracias liberais.

Mas que dizer da segunda condição para um justo e competente processo de seleção dos mais qualificados, que é a da igualdade de oportunidades na disputa? No caso, a condição da igualdade de oportunidades se refere à disputa pelos postos de liderança política nos diferentes níveis do país. Será que há igualdade de oportunidades nas eleições de grandes massas que caracterizam os processos de escolha para os principais postos políticos nas atuais democracias liberais? Evidentemente que não, nem de longe.

Os processos eleitorais de grandes massas, que não raro chegam aos milhões de pessoas, caracterizam-se por campanhas caríssimas, as quais envolvem vultosos recursos (humanos, materiais, financeiros etc.) e envolvem necessariamente acesso a instrumentos muito onerosos de comunicação de massa.

Ora, a maioria da população possui poucos recursos, o que a impossibilita de financiar as campanhas, as quais implicam vultosos recursos financeiros. Além disso, os grandes meios de comunicação de massa são detidos por grupos privados. O que acontece na realidade desse cenário injusto é que a grande maioria fica completamente excluída de qualquer chance concreta de sucesso em uma disputa tão flagrantemente desigual.

E o resultado disso é bem evidente. A esmagadora maioria daqueles que se elegem pertencem a algumas categorias bem visíveis. Elegem-se, sobretudo, os ricos, ou aqueles financiados pelos grupos que detêm grandes recursos materiais; elegem-se também aqueles que aparecem com frequência nos meios de comunicação de massa, sejam artistas, atletas ou comunicadores de massa de vários tipos.

Cabe repetir que sendo os meios de comunicação empresas privadas, os interesses privados dessas empresas exercem uma “natural censura”, não apenas sobre aquilo que veiculam, mas muito especialmente sobre aqueles que empregam como seus comunicadores de todos os tipos.

Alguém já viu um comunicador de uma grande empresa de comunicação criticando os interesses econômicos, ou políticos, ou de qualquer outro tipo daquela empresa? Bem ao contrário, o que se sabe é de comunicadores, artistas etc., que perdem seus empregos por discordarem das ideias e dos interesses de seus patrões.

Também é bem conhecido o poder imenso dos meios de comunicação de massa, sejam as redes de televisão, ou de rádio, ou mesmo dos grandes jornais e revistas, que em conjunto são não raro denominados de o “quarto poder”. Em nossos dias, obviamente, devemos acrescentar o poder das redes sociais na Internet, o que, como é bem visível, se enquadram dentro do panorama geral acima descrito.

As modernas formas de comunicação digital – como, por exemplo, as redes sociais via Internet, das quais muitos esperam tanto – são incapazes de romper essa regra: – que o poder econômico e financeiro e as várias formas de popularidade demagógica também exercem papel dominante nesses meios digitais.

A última categoria a ter possibilidade de sucesso nesse sistema são os demagogos de todos os tipos. São aqueles que, consciente ou inconscientemente, iludem a massa com promessas que não poderão ser cumpridas. É claro que alguns conseguem combinar duas dessas categorias, ou mesmo as três, e aí então temos os fenômenos eleitorais, cujo exemplo atual, paradigmático e globalmente da maior significância, é o presidente Donald Trump dos EUA.

Em resumo, nos processos de escolha das atuais formas de democracias liberais (ou seja, nos processos eleitorais de grandes massas) são as seguintes três categorias que dominam amplamente os resultados das eleições: 1) os ricos e aqueles por eles apoiados ou financiados; 2) aqueles cujo trabalho implica numa exposição frequente e volumosa nos meios de comunicação massiva; e, 3) os demagogos de todos os tipos, cujo discurso vai ao encontro dos interesses e desejos dos grandes grupos populacionais, mesmo que sem as condições de atendê-los.

Muitas pessoas não percebem claramente que esse quadro tão injusto (das eleições de grandes massas) fica ainda mais agravado quando consideramos a terceira das condições de um bom processo de escolha, isto é, a necessária adequação entre as características e requerimentos da função, e o alcance da compreensão da população em questão.

As informações do Capítulo 3, sobre as diferenças de capacidades, nos mostraram o real perfil dos níveis de abrangência da compreensão social da população em geral. O grau de inocência de grande parte dessa população foi ali mostrado de forma clara. Sem uma visão nítida desse perfil e das enormes diferenças do alcance da compreensão social da população não é possível um diagnóstico sério acerca do quão injustas e incompetentes são as regras para a seleção dos governantes nos processos eleitorais das atuais democracias liberais.

Tomemos, a título de ilustração, apenas um exemplo concreto. Qual o sentido da população escolher os constituintes (1986), através do sufrágio direto, universal e obrigatório, quando de acordo com uma pesquisa (já mencionada) do Ibope no Rio Grande do Sul – que é um dos estados com melhores índices educacionais do país – 70,5 % da população eleitoral não sabia sequer o que era uma Constituinte?

Seria de causar surpresa que num processo de escolha dos dirigentes desse tipo a população eleja um presidente corrupto? Ou que ela eleja como deputado federal, um dos postos de maior responsabilidade, alguém que teve recursos para financiar uma campanha eleitoral caríssima (recursos próprios ou de ricos apoiadores), ou um traficante de drogas, ou um apresentador de programa de TV, ou um comediante, ou um demagogo, ou alguém por ser um bom atleta, e assim por diante?

Lembremos que isso não ocorre apenas no Terceiro Mundo. Basta ver o exemplo recente da eleição de Donald Trump nos EUA, ou políticos com tantos escândalos de corrupção nos países mais ricos do mundo. São tantos os exemplos, como no Japão, onde um primeiro ministro foi deposto porque descobriram que havia sido subornado por grandes empresas, como a Lockheed dos EUA. Ou o caso de Nixon nos EUA. Ou vários deputados e um primeiro ministro corrupto, sem falar numa atriz pornô eleita deputada, na Itália. Os exemplos são tantos e tantos que se tornam enfadonhos.

O quadro abaixo, a respeito da credibilidade dos políticos, é bem nítido acerca dos resultados desse processo de escolha dos dirigentes políticos nas atuais formas de democracias liberais. Estes dados são sobre a credibilidade merecida por aqueles que deveriam ser o que uma nação tem de melhor, pois ocupam os postos de maior responsabilidade. A pesquisa é do Ibope e foi publicada em Zero Hora, em 09/08/87. Desnecessário dizer que a situação no Brasil de 2020 não se apresenta melhor, com tantos escândalos de corrupção nos cargos mais elevados da nação! A pergunta apresentada foi a seguinte:

– “Você concorda ou discorda das afirmações abaixo usadas para descrever a atuação dos políticos?” A tabulação apresenta percentuais.

Esse quadro desalentador, por si só, já é um claro atestado acerca da incompetência desse sistema de escolha dos dirigentes políticos.


O Poder das Grandes Organizações

No entanto, não apenas quanto ao processo de escolha dos governantes esse modelo resulta incompetente. Também é claramente insuficiente no que diz respeito à capacidade de prover os governantes da necessária força de coerção, sobretudo, como vimos, para fazer frente ao enorme poder das grandes organizações.

Por que essas grandes organizações são tão poderosas? Em última análise, porque conseguem reunir de forma coesa os esforços de muitos milhares de pessoas, por vezes centenas de milhares de pessoas. Graças a essa reunião de esforços, ainda que por motivações de cunho eminentemente privatista, essas organizações apropriam-se de imensas quantidades de recursos econômicos, financiam e subornam dirigentes políticos, e assim por diante. E essas façanhas organizacionais são possíveis porque os seus departamentos de pessoal, entre outros, aplicam com eficácia um razoável conhecimento acerca das diferenças de capacidades!

Alguém conseguiria imaginar uma grande empresa, com centenas de milhares de funcionários, escolhendo seus principais executivos, seu conselho de administração, enfim, seus postos de maior responsabilidade, por meio de um processo de eleições diretas, com um voto para cada funcionário? Absolutamente não! Ou um exército escolhendo seus generais por eleições diretas de todos os componentes da força? De forma alguma!

A própria Igreja Católica Romana, que do ponto de vista meramente organizacional é um dos exemplos mais bem sucedidos da história, e cujos bispos e cardeais, para fora de sua organização, defendem a pseudo democracia liberal, mas não aplicam em sua própria casa um sistema tão ineficiente. Os seus fiéis não elegem o Papa, nem sequer os padres, e nem mesmo todos os bispos elegem o Papa. Apenas os cardeais procedem à escolha do chefe maior da Igreja!

Ora, os problemas de uma grande nação são muito mais complexos do que os problemas da administração de uma grande empresa, de uma força armada, ou de uma organização religiosa. Mas os mesmos líderes empresariais, militares, religiosos etc., que para fora de suas organizações defendem os atuais modelos políticos das democracias liberais, jamais pensariam em aplicá-lo nas realidades muito mais simples de suas corporações!

Esse é um bom exemplo da “miséria” das elites. Ou seja, a miséria das ideias que dominam ao nível das elites, e que se projetam como as grandes instituições dos países na maior parte do mundo em nossos dias, sejam modelos de inspiração liberal, marxista, ou modelos derivados de tradições religiosas, que ainda são existentes em nossos dias.

A fraqueza do Estado organizado sob as formas atuais das democracias liberais foi atestada, várias vezes, na história recente do Brasil, e de tantas outras nações, sobretudo do Terceiro Mundo, ou, em nosso caso, da América Latina. Por que foram possíveis tantos golpes de estado, e por que serão possíveis tantos outros no futuro? Porque além de escolher muito mal os dirigentes, é um modelo de organização estatal fraco, impotente ante a força das grandes organizações, das quais ele geralmente não passa mesmo de um fantoche. E o mesmo fator que explica a força dessas corporações explica a fraqueza desse modelo.

Vimos que a força dessas corporações reside no fato de conseguirem reunir, ou organizar, de forma coesa dezenas ou centenas de milhares de pessoas. E perante a colossal força dessas corporações unicamente a força gerada por uma boa organização de toda a população de um país poderia sobrepor-se.

É exatamente isso que os atuais modelos democrático-liberais não fazem, pois nos sistemas de eleições de grandes massas a organização política é muito frouxa, e a população permanece fragmentada, ou “atomizada”, devido, entre outros aspectos, à grande distância que separa os representantes dos representados. Isso porque é a boa organização, a coesão, ou a união como se diz popularmente, aquilo que gera a força – e não a fragmentação, a frouxidão quase amorfa.

Quando milhões de pessoas elegem diretamente uma alta autoridade, seja do legislativo ou do executivo, esse mesmo processo, além de muito incompetente e injusto como processo de escolha dos mais capacitados, gera um abismo entre a população e os seus dirigentes.

Ora, essa dupla característica, marcante nesse processo de escolha dos governantes, gera a fraqueza desse tipo de organização estatal, sobretudo em relação às gigantescas corporações, privadas ou públicas. Porque, como dissemos antes, mesmo as organizações públicas desenvolvem um espírito de corpo e interesses de cunho privatistas.

Esse duplo vício, de governantes mal capacitados e de uma péssima organização da população, gera inevitavelmente um estado débil, onde não há força capaz de regular e harmonizar os interesses das gigantescas organizações em benefício do bem-estar de toda a população.

Desnecessário seria dizer que essa fraqueza apenas é reforçada pela ordem de contrapesos dos três poderes, cuja separação, desde sua concepção original, visava enfraquecer o poder central. Esse enfraquecimento, como já explicado, na realidade é o objetivo visado, o qual é derivado da concepção de um “estado mínimo”, em face da necessidade de proteger os indivíduos contra a perversidade de um estado leviatânico. Nesses pontos, em resumo, residem as principais falhas dos atuais modelos de pseudo democracias liberais.

Conforme vimos anteriormente, numa citação de Philip Converse, são as grandes correntes de pensamento, especialmente aquelas dominantes nas camadas mais intelectualizadas, que constroem a vida das nações. Do mesmo modo, poderíamos acrescentar, elas influenciam pesadamente a vida dos indivíduos.

As ideias que dominam as mentes da elite, aquilo que os líderes e os intelectuais pregam, aquilo que os grandes artistas inspiram, e assim por diante, nisso se converterá a vida de uma nação, uma vez que esses pensamentos hegemônicos também irão inevitavelmente plasmar as principais instituições sociais e, no caso, os modelos de organização sociopolítica.


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