Como lemos na Apresentação deste site, Humanitarismo e Democracia do Futuro são os nomes de uma filosofia social e de seu modelo de representação política. O Humanitarismo tem suas bases centrais e profundas nos princípios da Filosofia Perene (ou Esotérica) e sua grande Lei da Fraternidade Universal.

Como também é explicado na Apresentação, neste site e em outros trabalhos buscamos apresentar o Humanitarismo e a Democracia do Futuro, juntamente com sínteses da Filosofia Perene e da Lei da Fraternidade Universal, bem como com uma de suas derivações religiosas – o “Novo” Evangelho da Interpretação – que é a denominação da mensagem filosófico-religiosa da Dra. Anna Kingsford e Edward Maitland. Essa mensagem inclui a necessária união e complementaridade do Budismo e do Cristianismo (a Roda e a Cruz).

Além dessas bases filosóficas, o Humanitarismo e a Democracia do Futuro também têm bases em corroborações experimentais da ciência moderna, principalmente nas obras de Philip E. Converse (The Nature of Belief Systems in Mass Publics [A Natureza dos Sistemas de Crença na Massa]; The American Voter, etc.); C.B. Macpherson (The Life and Times of Liberal Democracy [A Democracia Liberal: Origens e Evolução], etc.) e Maurice Duverger (The Political Parties [Os Partidos Políticos], etc.), como podemos ler em nossos sites e na obra fundamental sobre Humanitarismo e a Democracia do Futuro, que é: O Que Há de Errado com a Política? Fundamentos para uma Verdadeira Democracia.

Os Princípios Fundamentais do Humanitarismo

“Como uma doutrina ou como uma filosofia sociopolítica o Humanitarismo está fundamentado em apenas cinco grandes princípios que, não obstante sua simplicidade aparente, englobam toda uma visão metafísica que, sintética e alegoricamente, está sustentada por duas colunas mestras que são o lema do Humanitarismo: UNIDADE NA DIVERSIDADE.  Esses dois aspectos centrais constituem a essência da Lei da Fraternidade Universal que, aplicada à humanidade, é o primeiro e mais importante princípio do Humanitarismo. Conforme procuraremos demonstrar, essa perspectiva metafísica e esses princípios são de fundamental importância para o bem estar da humanidade. Esses cinco princípios são:

1 – Todos os seres humanos constituem uma FRATERNIDADE UNIVERSAL (entendida como uma lei universal da Natureza, aqui aplicada à humanidade como um todo);

2 – Todos os seres humanos possuem uma mesma origem e uma mesma natureza essencial e, portanto, IGUAL VALOR;

3 – Não obstante a sua unidade e igualdade essenciais, os seres humanos apresentam CAPACIDADES DIFERENCIADAS;

4 – Em vista desses princípios, a norma que deve presidir a justiça e a harmonia possíveis entre os seres humanos é a da IGUALDADE DE OPORTUNIDADES para o desenvolvimento de suas capacidades individuais diferenciadas;

5 – O princípio ético da RESPONSABILIDADE DAS ELITES, do qual também depende o advento das novas instituições sociais.

Como podemos ver, a Lei da Fraternidade Universal da Humanidade é o cerne do Humanitarismo. Isso porque ela engloba, na verdade, os outros quatro princípios acima apresentados. Esses princípios adicionais são importantes porque especificam os aspectos fundamentais da grande Lei da Fraternidade Universal quando aplicada à humanidade (na verdade, sua síntese – Unidade na Diversidade – se aplica a todo universo manifestado). Portanto, na realidade, o objetivo único do Humanitarismo, como um movimento social, é a difusão e a aplicação prática da Lei da Fraternidade de todos os seres humanos, contanto que essa seja entendida apropriadamente.” (Arnaldo Sisson Filho. O Que Há de Errado com a Política? Fundamentos para uma Verdadeira Democracia. Capítulo 1, Introdução)

Essa obra acima, até o presente momento, continua sendo a melhor apresentação de uma síntese do Humanitarismo e da Democracia do Futuro. Em seus capítulos estão expostas as bases da filosofia social denominada de Humanitarismo, e um de seus capítulos chama-se A Democracia do Futuro. Enquanto outras obras mais completas não são escritas, essa continua sendo a obra fundamental.

Nessa seção trazemos, abaixo, o capítulo dessa obra que trata especificamente da Democracia do Futuro. E, logo a seguir, também trazemos a segunda parte do Sexto Capítulo da obra  A Roda e a Cruz: Uma Introdução ao Cristianismo Budista (Arnaldo Sisson Filho, com Viviane Pereira). Essa segunda parte do Sexto Capítulo tem como título “Religião e Organização Sociopolítica”. A obra foi escrita a partir da gravação de entrevistas com a jornalista Viviane Pereira, e foi divulgada em primeira mão no Site Anna Kingsford.

Além dessa sintética apresentação, na próxima Seção, apresentamos a íntegra a obra de Arnaldo Sisson Filho O Que Há de Errado com a Política? Fundamentos para uma Verdadeira Democracia, e nas seguintes Seções uma coletânea de citações e de obras relacionas com o Humanitarismo e a Democracia (Participativa) do Futuro.


A DEMOCRACIA DO FUTURO – Capítulo 8 do Livro: O Que Há de Errado com a Política? Fundamentos para uma Verdadeira Democracia

– Requisitos para um Modelo Alternativo Competente
– Representação em Cascata: a Democracia do Futuro
– A Liberdade É Garantida
– Um Processo com Igualdade de Oportunidades
– A Harmonia entre Funções e Capacidades
– A Geração do Poder Necessário
– Necessita-se de um Exemplo para as Nações
– Citações Complementares


Requisitos para um Modelo Alternativo Competente

Nos capítulos anteriores deixamos claro o fracasso dos modelos atualmente dominantes e porque eles jamais poderão assegurar uma ordem social justa e competente, sobretudo no que diz respeito ao problema do enorme diferencial de riqueza existente entre os países ricos e os países pobres (onde vivem duas terças partes da população mundial). Ou seja, procuramos esclarecer que tais modelos (que hoje geralmente são vistos como exemplos bem sucedidos a serem copiados) jamais poderão resolver o desafio da superação do quadro de exclusão e miséria de tantos milhões que assistimos em nossos dias. Assim sendo, chegamos agora ao momento em que devemos apontar pelo menos algumas diretrizes gerais a respeito de como seria um modelo político alternativo, que tivesse pelo menos a chance de alterar substancialmente esse panorama.

Já vimos anteriormente que a premissa, isto é, a visão de ser humano e de humanidade que fundamenta esse novo modelo deve ser aquela que nos mostra a humanidade como uma fraternidade, o que implica no reconhecimento da unidade essencial dos seres humanos, bem como das suas grandes diferenças de capacidades.

Quais, então, seriam as características principais de um novo modelo de organização política, que atendesse as necessidades antes expostas para um processo justo e competente de seleção dos governantes, bem como a necessidade de dotar esses governantes do suficiente poder de coerção?

Como também vimos anteriormente, os requisitos essenciais que devem existir simultaneamente para um competente processo de escolha dos dirigentes são:

1) liberdade;

2) igualdade de oportunidades (ou de condições) nas disputas políticas; e

3) uma boa adequação entre a responsabilidade (que sempre está atrelada ao grau de dificuldade das funções) e as características da consciência social da população (dos diferentes níveis de capacidade, ou de abrangência conceitual).

Já no que diz respeito à geração do necessário poder de coerção pelo sistema (de modo que os governantes possam regular e harmonizar a atuação das grandes organizações), o requisito necessário é que o modelo político promova uma organização coesa de toda a população.

Em vista, sobretudo, das características dos diferentes níveis de consciência da população e da simultânea necessidade de que a liberdade de escolha seja preservada, bem como de que seja garantida uma igualdade de oportunidades na disputa política, a primeira conclusão é a da total inviabilidade de eleições diretas envolvendo grandes populações.

Trata-se de uma total inviabilidade porque essas eleições de grandes massas, embora preservando a liberdade, resultam sempre em uma preservação da liberdade do tipo “raposa dentro do galinheiro”. Ou seja, uma liberdade na qual não há igualdade de condições na disputa política, nem tampouco harmonia entre os níveis de abrangência conceitual e os níveis de responsabilidade na escolha. A consequente resultante disso é uma entrega total do processo (tão fundamental e decisivo) das escolhas dos cargos de maior responsabilidade nas mãos do poder econômico-financeiro (pluto), e nas mãos da demagogia.

Na verdade, os atuais modelos ditos democráticos (caracterizados centralmente pelas eleições de grandes massas) não são verdadeiras democracias, porém pluto-demagogicracias. Um sistema verdadeiramente democrático significa o governo do povo, pelo povo e para o povo, enquanto nas atuais formas de democracias liberais o governo é do povo, pelo povo, porém sempre para o poder econômico e para a demagogia.


Representação em Cascata: a Democracia do Futuro

À primeira vista, aparentemente, nos encontramos em um beco sem saída, isto é, como preservar a liberdade sem eleições diretas de grandes populações, juntamente com a igualdade de condições nas disputas político-eleitorais, e ainda mantendo a harmonia entre os níveis de consciência e a responsabilidade das escolhas nos diferentes níveis de representação política?

Na realidade, um pouco mais de reflexão nos mostra que há uma solução consistente para esse aparente paradoxo. Trata-se de um modelo que contemple eleições muito menos diretas, e que garanta que essas eleições nunca impliquem em processos de escolha envolvendo diretamente grandes massas, e ao mesmo tempo preservando a liberdade e uma rigorosa proporcionalidade entre as várias pequenas, médias e grandes circunscrições eleitorais.

Desse modo, este sistema teria como base pequenas circunscrições eleitorais, a exemplo de vilas, vizinhanças, pequenos bairros ou pequenas municipalidades, de preferência jamais ultrapassando uma dimensão bastante humana, na qual o conhecimento pessoal entre os indivíduos não fosse uma coisa impossível ou mesmo muito difícil de ocorrer.

A que número de pessoas estaríamos aproximadamente nos referindo? Esse número poderá variar significativamente em se tratando de áreas rurais ou urbanas, uma vez que nas áreas urbanas de grande concentração populacional as distâncias físicas entre um número expressivo de pessoas são relativamente pequenas. Nas malhas urbanas podem existir grandes edifícios etc., e nessas condições de comunicação interpessoal mais facilitada, o número de eleitores nessa primeira circunscrição político-eleitoral poderia ser significativamente maior do que em áreas rurais de grande dispersão populacional, onde as pessoas tenham dificuldades muito maiores de estabelecerem contatos face a face.

Essas diferenças de número de pessoas nesse primeiro nível eleitoral não têm maior importância, uma vez que sempre se manterá uma rigorosa proporcionalidade entre representantes e representados. Se, apenas por hipótese, o coeficiente for de 50 para 1 nesse primeiro nível, então, se numa circunscrição houver 1.000 eleitores, haveria vinte (20) representantes do primeiro nível. Se outra circunscrição básica contar com apenas 200 eleitores, ela elegerá apenas quatro (4) representantes do primeiro nível, e assim por diante. A rigorosa proporcionalidade sendo um óbvio requisito para a igualdade de oportunidades.

O modelo de representações sucessivas se estreitaria gradualmente como uma pirâmide, através dos níveis dos Distritos, das Microrregiões, dos Estados (ou Províncias), e daí para o Congresso Nacional, o qual escolheria um gabinete com um chefe executivo, tal como um primeiro-ministro em um sistema parlamentarista. Convém notar, no entanto, que esse sistema se assemelha ao sistema parlamentarista tradicional apenas no topo da pirâmide, sendo todo o processo de escolha e seleção completamente diferente dos sufrágios diretos de grandes populações, uma vez que as diferentes circunscrições eleitorais se articulam em vários níveis até chegar ao nível do Congresso Nacional.

Se levarmos em conta as enormes vantagens desse sistema em relação aos atuais torna-se difícil de aceitar que um sistema assim não tenha sido experimentado seriamente em nenhum lugar, ao menos que tenhamos conhecimento. Examinemos um pouco mais essas vantagens, em comparação com os atuais sistemas dominantes: as democracias liberais e os totalitarismos marxistas.


A Liberdade é Garantida

Em relação aos totalitarismos marxistas a grande vantagem desse novo modelo de democracia participativa é que a liberdade é absolutamente preservada, enquanto nas chamadas ditaduras do proletariado a liberdade é sacrificada. Nesse contexto só existe igualdade de oportunidades para os membros do partido, se tanto. Ou seja, não existe plena liberdade e, portanto, não existe igualdade de oportunidades nos totalitarismos marxistas, enquanto na democracia do futuro esse requisito essencial é preservado.

Quanto aos outros aspectos a democracia participativa não perde em nada para o totalitarismo marxista. Os sistemas marxistas têm na adequação entre funções e capacidades e na organização coesa de grande parte da população os seus pontos fortes. Ora, esses pontos são igualmente fortes na democracia participativa do futuro, uma vez que ela é parecida nesses particulares aspectos aos modelos marxistas, sendo, na realidade, superior aos totalitarismos marxistas, pois esses excluem do processo de escolha muitas pessoas inteligentes e capazes, apenas porque elas não pertencem ao partido comunista ou assemelhados (como podemos ver, por exemplo, no modelo hoje vigente na China continental).


Um Processo com Igualdade de Oportunidades

Que dizer então da comparação da democracia do futuro com o sistema hoje hegemônico no mundo, que é a chamada democracia liberal? A liberdade que é o ponto forte das democracias liberais também é plenamente preservada nessa democracia participativa do futuro.

Sob alguns aspectos, de fato, há até mesmo mais liberdade nessa democracia participativa do que nos atuais modelos de democracias liberais. Primeiro, porque nos sistemas democrático-liberais por vezes o voto é obrigatório, enquanto nessa democracia participativa do futuro o voto é livre. Segundo, porque nos sistemas liberais geralmente os candidatos devem estar filiados a algum partido, enquanto na democracia do futuro os candidatos podem ou não estarem filiados a algum partido, dependendo de suas livres escolhas. Nos sistemas liberais para ser candidato quase sempre o indivíduo depende da escolha dos partidos, mas nessa democracia do futuro isso depende apenas de sua própria decisão. Vemos, assim, que mesmo sob esse aspecto que é o forte das democracias liberais, esse novo modelo de democracia não lhe fica devendo nada, e até mesmo apresenta algumas vantagens.

Quanto a todos os outros aspectos essa democracia participativa do futuro é muito superior aos sistemas liberais. Ela garante uma imensa igualdade de oportunidades nos processos eleitorais, enquanto nas pseudodemocracias liberais apenas os privilegiados materialmente, os comunicadores e aqueles que têm profissões ligadas à comunicação de massa, além dos demagogos em geral, é que têm chance de serem eleitos para os cargos de maior responsabilidade.


A Harmonia entre Funções e Capacidades

Quanto à adequação entre funções e capacidades quase não há necessidade de comentários, tamanhas são as vantagens do modelo sugerido em relação aos sufrágios de massa dos sistemas liberais.

Nessa democracia participativa do futuro há uma gradual qualificação dos eleitores, que são os que foram eleitos no nível imediatamente inferior. A cada nível de representação ocorre de forma natural uma qualificação (quanto ao aumento de abrangência conceitual, ou nível de consciência social), pois se trata dos que foram livremente escolhidos como representantes mais capacitados para defender os interesses de sua respectiva área ou circunscrição eleitoral.

É quase ridícula a comparação, mas qual seria o percentual dos que elegeriam os representantes para o Congresso Nacional nesse novo modelo que não saberiam sequer dizer o que é uma Assembleia Constituinte? Certamente esse percentual seria praticamente zero, ou seja, nenhum dos representantes desse elevado nível desconheceria uma questão tão elementar! Comparemos isto com os 70,5 % que, como vimos anteriormente, no Rio Grande do Sul não sabiam responder a essa questão tão elementar, mas que constituíram o próprio eleitorado que escolheu os constituintes em 1986! Haveria necessidade de outras comparações? Haveria alguma dúvida de que nessa democracia participativa do futuro teríamos um Congresso Nacional extraordinariamente mais qualificado?


A Geração do Poder Necessário

Finalmente, também quanto à capacidade de gerar o suficiente poder nas mãos dos dirigentes livremente escolhidos o modelo aqui defendido é muito superior aos sistemas liberais. O modelo proposto organiza a população de forma muito mais coesa, não de forma frouxa e atomizada como nas pseudodemocracias liberais.

É quase impossível reprimir-se violentamente um sistema como esse. Se, por hipótese, uma força militar impedisse o funcionamento do Congresso Nacional, ainda assim toda população continuaria politicamente organizada, em uma cascata de pequenas assembleias, na maioria dos casos tão pequenas que poderiam se reunir em uma ampla sala de estar. Como reprimir uma organização assim? Trata-se de uma missão quase impossível.

Tudo isso sem mencionar o fato evidente de que talvez a maior força política nessa democracia participativa do futuro seja a grande, ou pelo menos muito maior, qualificação dos seus dirigentes mais elevados (em comparação com aqueles eleitos nas pseudodemocracias liberais), o que lhes garantiria, apenas por esse aspecto, um apoio popular muito maior do que aquele devotado aos atuais governantes.

Quão diferente seria a qualificação desses governantes ao ser comparada com os exemplos recentes da política brasileira, onde vemos casos e mais casos de corrupção, de incompetência, de demagogia, de despreparo generalizado para o exercício dos cargos mais elevados, do péssimo exemplo para a população que tem um conceito baixíssimo quanto ao caráter dos políticos. Isso foi demonstrado em dados anteriormente apresentados, mas que em face de sua imensa importância repetiremos aqui:

O quadro abaixo, a respeito da credibilidade dos políticos, é bem nítido acerca dos resultados desse processo de escolha dos dirigentes políticos nas atuais formas de democracias liberais. Estes dados são sobre a credibilidade merecida por aqueles que deveriam ser o que uma nação tem de melhor, pois ocupam os postos de maior responsabilidade. A pesquisa é do Ibope e foi publicada em Zero Hora, em 09/08/87. Desnecessário dizer que a situação no Brasil de 2020 não se apresenta melhor, com tantos escândalos de corrupção nos cargos mais elevados da nação! A pergunta apresentada foi a seguinte:

– “Você concorda ou discorda das afirmações abaixo usadas para descrever a atuação dos políticos?” A tabulação apresenta percentuais.

Esse quadro desalentador, por si só, já é um claro atestado acerca da incompetência desse sistema de escolha dos dirigentes políticos.


Necessita-se de um Exemplo para as Nações

O país que em primeiro lugar conseguir adotar o modelo de organização política dessa democracia participativa do futuro estará, desse modo, servindo aos mais elevados interesses do seu próprio povo, e estará também dando um exemplo que certamente ajudará e inspirará outros países. Especialmente aqueles países hoje mais pobres, geralmente submetidos a uma dependência neocolonialista e com um passado de séculos de exploração colonial. Isso porque nesse sistema existirá, de fato, uma real chance para que a necessária sabedoria (qualificação intelectual e técnica, junto com caráter altruísta) chegue até os cargos de maior poder e responsabilidade.

Na verdade, essa mudança organizacional somente alcançará seu caráter verdadeiramente democrático (do povo, pelo povo e para o povo), desde que seja precedida por uma genuína grande reforma ideacional ao nível das elites, isto é, daquela parcela da população possuidora das mentes de maior abrangência conceitual. Esse aspecto não é muito fácil de ser compreendido e, por essa razão, será abordado no conjunto de citações adicionadas ao final desse capítulo, bem como nos textos que adicionaremos, como anexos, a esse livro.

Em vista das análises anteriores, parece desnecessário compararmos ainda mais esse modelo com os atualmente dominantes no mundo inteiro. Sob todos os aspectos analisados, trata-se de um modelo muito mais eficiente e justo do que os atuais, tanto em termos de competência do processo de escolha dos dirigentes, quanto em termos de gerar um poder muito maior nas mãos dos dirigentes, de modo que eles possam regular a atuação das gigantescas organizações. Isso porque, como vimos, esse novo modelo, além de viabilizar dirigentes muito mais qualificados para o exercício de suas imensas responsabilidades, organiza de forma muito mais coesa toda a população de qualquer sociedade.

Tanto a diferença na qualificação dos governantes, quanto na coesão organizacional de toda a população, deve mudar substancialmente a situação de conflitos e de permanentes injustiças de todo tipo que hoje temos. E isso é algo cuja importância é difícil de exagerar, sobretudo para as nações pobres, que hoje não têm esperança alguma, dentro dos atuais modelos, quer de inspiração liberal quer marxista, de superarem o círculo vicioso da miséria e do dito subdesenvolvimento, do mesmo modo que viabiliza soluções consistentes para os grandes problemas que hoje afligem a humanidade, como no exemplo concreto antes escolhido ligado à destruição do meio ambiente natural.

Segue, em conclusão, um conjunto de citações que visam corroborar a perspectiva ideacional apresentada nessa obra, sobretudo auxiliar na compreensão do papel decisivo das elites e de sua correspondente responsabilidade sobre o bem estar geral, não apenas da família humana (quer organizada nas sociedades nacionais, quer na coletividade do mundo como um todo), mas de toda a vida e do ambiente natural do planeta:


Citações Complementares

A Política Envolve o Bem Estar de Todos e Demanda as Melhores Mentes Com Espírito Desinteressado

A política, que envolve o bem-estar e o progresso de todos que constituem o Estado e afeta outros Estados, é uma atividade séria, que demanda as melhores mentes com um espírito desinteressado, e não deveria ser um jogo de poder jogado com a preponderância de interesses pessoais e de grupo.” [N. Sri Ram. On the Watch Tower (Na Torre de Vigia), p. 82; grifo nosso]


Índia Deveria Desenvolver Novo Modelo de Democracia

“Se a Índia puder desenvolver uma forma de democracia na qual haja alguma chance para a necessária sabedoria chegar até o topo, ela estará, desse modo, servindo aos mais elevados interesses do seu próprio povo, bem como estará dando um exemplo que poderá ajudar e inspirar outros povos.” [N. Sri Ram. On the Watch Tower (Na Torre de Vigia), p. 82; grifo nosso]


Fraternidade Universal: É uma Lei na Natureza

A Fraternidade constitui, em sua plena acepção, uma Lei na Natureza. Não se pode deixar de enfatizar suficientemente esse ponto. Constitui o objeto do nosso trabalho que a Fraternidade passe a ser algo prático na sociedade, e nunca se tornará prático até que as pessoas compreendam que é uma Lei, não apenas uma aspiração. Quando descobrimos uma Lei na Natureza, não mais lutamos contra ela. Prontamente nos acomodamos no novo conhecimento e nos adaptamos às condições então compreendidas. Contudo, a Fraternidade é tão pouco conhecida em nosso mundo.” (Annie Besant. A Vida Espiritual, p. 113; grifos nossos)


Dessas Diferenças Surgem Todas as Possibilidades de uma Sociedade Ordenada

O grande princípio (ou lei) da Reencarnação corre parelho com o princípio (ou lei) da Fraternidade, porém isso ocorre se o aplicamos e o convertemos em uma coisa positiva na vida quotidiana. Porque dessas diferenças de idade surgem todas as possibilidades de uma Sociedade ordenada e feliz.” (Annie Besant. A Fraternidade Aplicada às Condições Sociais. Em O Teosofista, p. 260, mar-abr/1939; grifos nossos)


Como Encontrar os Melhores É o Problema: Para Resolvê-lo Devemos Compreender a Inutilidade dos Atuais Sistemas de Governo

“Ora, o nosso Ideal da aplicação da Lei da Fraternidade ao Governo exige o poder para os mais cultos e não para os ignorantes (…) como encontrar os melhores? O Ideal é que sejam os melhores que governem; mas como encontrá-los, eis o problema. Cada um de nós que estuda deve tentar resolver esse problema, e as sugestões que aqui estou dando talvez contenham algumas indicações para essa solução.

Mas não poderão resolvê-lo enquanto não compreenderem a inutilidade da atual maneira de governar – ou de não governar e enquanto não aceitarem o Ideal de que o Governo deve ser exercido pelos melhores. Quando concordarmos nisso, então poderemos reunir os nossos esforços para encontrar um meio de achar e escolher os melhores e colocá-los em situação onde bem sirvam ao país. E isso tem de ser feito por amor ao povo, ao povo que “perece por falta de sabedoria”, e que nunca, na sua ignorância, poderá se salvar.” (Annie Besant. Os Ideais da Teosofia, p. 32-34; grifos nossos)


Sufrágio de Massa Sem Qualificações É um Equívoco

“Indubitavelmente cada homem é competente em sua própria esfera, para dizer o que ele quer para sua localidade ou vila, e para dizer quem irá servi-la melhor entre aqueles que ele conhece. Mas quando se trata de uma questão de decidir assuntos complicados, de abrangência nacional e internacional, é uma mera questão de bom senso que somente deveriam poder votar aqueles que têm algum conhecimento a respeito dessas matérias. E por essa razão é que a Dra. Annie Besant insistiu repetidamente, enquanto ela esteve ocupada com esses assuntos na política indiana, que a Índia não deveria, ao elaborar a sua Constituição, aderir ao fetiche do sufrágio de massa sem qualquer tipo de qualificações.” [N. Sri Ram. On the Watch Tower (Na Torre de Vigia), p. 81; grifos nossos]


Sugestão (Annie Besant, N. Sri Ram e Jai Prakash Narain) de um Sistema Político Coerente com a Lei da Fraternidade Universal

“Algum tempo atrás Pandit Nehru, em um de seus discursos, lançou um tanto vagamente a ideia de que algum dia, ao invés do atual sistema de eleições para Parlamento indiano, algum sistema, menos direto e mais adequado às condições da Índia, pudesse ser considerado.

Desde então, o Sr. Jai Prakash Narain (…) tem mais definidamente proposto, no lugar da atual forma de democracia na Índia, um sistema algo similar ao proposto pela Dra. Annie Besant nos dias de sua atuação em favor da libertação da Índia.

Ela não pensava que a regra “um homem, um voto” fosse boa para qualquer país, e muito especialmente ela não a recomendava para a Índia. Desse modo, ela delineou, na sua proposta de Constituição “The Commonwealth of India Bill” [1925], um sistema que teria uma base bem ampla ao nível das vilas (e correspondentes nas cidades), com voto adulto e uma grande autonomia nesse nível, e então se estreitaria gradualmente como uma pirâmide, através do nível dos Distritos, dos Estados (ou Províncias), até o Governo Central. As franquias para esses Conselhos nesses níveis superiores deveriam estar baseadas em crescentes qualificações de serviço, experiência, educação etc.

Seu esquema, se tivesse sido apoiado pelos outros líderes políticos da época, particularmente pelo Partido do Congresso, teria sido aceito pela população da Índia como um todo. O princípio de uma qualificação razoável para o voto, e para tornar-se membro dos Conselhos, teria sido firmemente estabelecido. Mas, seus apelos foram em vão. O Sr. Gandhi posicionou-se pelo sufrágio de massa, e isso decidiu a questão.

O Sr. Jai Prakash Narain também vislumbra uma base forte e praticamente autossuficiente para os Conselhos das Vilas, vila significando também uma cidade pequena, um distrito, ou bairro nos grandes municípios, mas eleições indiretas desses Conselhos para o Conselho do Distrito, desse último para as legislaturas provinciais ou estaduais, e dessas para o Parlamento de toda a Índia.

O Sr. Jai Prakash Narain é ainda uma voz solitária no terreno inóspito das atuais condições políticas na Índia. A descrição dessas condições como um terreno inóspito pode parecer um exagero, mas quando vemos os vários interesses de grupos, que são tão influentes e a variedade de conselhos para os mais diferentes assuntos que precisam ser tratados, não podemos deixar de sentir a verdade da descrição da Dra. Besant acerca da democracia, em sua presente forma, como o governo por meio da ignorância de múltiplas cabeças.” [N. Sri Ram. On the Watch Tower (Na Torre de Vigia), p. 86; link e grifos nossos]


A Democracia Participativa, ou Democracia do Futuro, na Visão do Professor C.B. Macpherson

“Volto finalmente à questão de como uma democracia participativa poderia funcionar se conseguíssemos os requisitos para chegar até ela. (…)

Se examinarmos as questões primeiramente em termos gerais, (…) o modelo mais simples que mais adequadamente pudesse ser chamado de democracia de participação seria um sistema piramidal com democracia direta na base e democracia por delegação em cada nível depois dessa base. Assim, começaríamos com democracia direta ao nível de (…) vizinhança – discussão concreta face a face e decisão por consenso majoritário, e eleição de delegados que formariam um conselho no nível mais próximo seguinte, digamos, um bairro urbano, ou subúrbio, ou redondezas. (…)

Assim prosseguiria até o vértice da pirâmide, que seria um conselho nacional para assuntos de interesse nacional, e conselhos locais e regionais para questões próprias desses segmentos territoriais. Seja em que nível for, além do primeiro, em que as decisões finais sobre diferentes assuntos fossem tomadas, as questões teriam certamente de ser formuladas por um conselho. (…) Isso pode dar a impressão de diferir muito do controle democrático. Mas acho que é o melhor ao nosso alcance. O que é necessário, em cada estágio, para tornar democrático o sistema, é que os delegados encarregados das decisões e formulação dos problemas, eleitos desde os níveis inferiores, sejam politicamente responsáveis em relação aos que os elegeram, sendo passíveis de não reeleição. (…)

Para resumir a análise até aqui feita da perspectiva de um sistema de conselhos piramidais como modelo de democracia de participação, podemos afirmar que na medida em que as condições para a transição a um sistema de participação forem conseguidas em qualquer país (…) um sistema piramidal poderia operar. (…)

(…) É muito mais provável que qualquer transição seja feita sob a liderança de uma frente popular ou uma coalizão de partidos socialistas ou social-democratas. (…) A questão concreta é, pois, se haverá algum meio de combinar uma estrutura de conselho piramidal com um sistema partidário em competição.

A combinação de um sistema democrático piramidal direto e indireto com a continuação de um sistema partidário parece essencial. Nada, a não ser um sistema piramidal, incorporará qualquer democracia direta numa estrutura de âmbito nacional de governo, e exige-se certa significativa quantidade de democracia direta parar o que quer que se possa chamar de democracia de participação. Ao mesmo tempo, partidos políticos em concorrência devem ser presumidos, e partidos cujas reivindicações não se casem coerentemente com o que se possa chamar de democracia liberal deverão ser repelidos.

Não apenas é, provavelmente, inevitável a combinação da pirâmide e dos partidos: ela pode ser positivamente desejável. (…)

Resta uma questão: poderá esse modelo de democracia participativa ser chamado de democracia liberal? Acho que pode. Evidentemente não é ditatorial ou totalitário. A certeza disso não é apenas a existência de partidos alternativos (…). A garantia está mais na presunção de que nenhuma versão do modelo de democracia participativa poderia existir ou permanecer existente sem um forte e generalizado senso do valor do princípio ético da democracia liberal (que é o núcleo de seus principais modelos): – os direitos iguais de todo homem e toda mulher ao pleno desenvolvimento e ao emprego de suas capacidades. (…) Na medida em que prevalecesse um forte senso do alto valor dos direitos iguais ao auto desenvolvimento, o modelo de democracia participativa estaria na melhor tradição da democracia liberal.” (C.B. Macpherson. A Democracia Liberal: Origens e Evolução, pp. 110-116; grifos nossos. Citado na obra O Que Há de Errado com a Política? Fundamentos para uma Verdadeira Democracia)


A LIGAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE
(Segunda parte do sexto capítulo da obra A Roda e a Cruz: Uma Introdução ao Cristianismo Budista)

“VIVIANE: Qual a ligação entre religião e organização da sociedade?

ARNALDO: Embora hoje haja a tendência para se considerar a religião e a organização sociopolítica como coisas relativamente separadas, por muito tempo foram quase uma coisa só, caminhando juntas. Isso porque uma influencia decisivamente a outra ao longo de toda a história.

O que hoje temos como o chamado Cristianismo, como disse, essa interpretação materializada e idólatra dos ensinamentos de Jesus, com os seus antecedentes, é o que está na base de nosso cruel modelo civilizatório. Naturalmente, não estamos ignorando a tradição greco-romana, ou a judaica. Porém, essas tradições foram modificadas por uma dada interpretação dominante dos ensinamentos de Jesus. É isso que se constitui no que o mundo chama de Cristianismo. E é esse conjunto que está na base da civilização ocidental e de suas principais instituições de organização sociopolítica.

Com o colapso do Império Romano Ocidental, ao longo de toda a Idade Média, foram os mosteiros e depois as primeiras universidades que exerceram essa influência civilizatória de base. Durante toda essa época a religião tinha papel cultural evidentemente dominante. Depois, aos poucos, esse domínio foi enfraquecendo, com todas as transformações que marcaram o advento da chamada Idade Moderna, até que ocorreram as reformas protestantes, e foi ocorrendo o desenvolvimento do que chamamos de ciência moderna. Mas a base do pensamento ainda tem sua origem nessa tradição religiosa deturpada. Na Idade Moderna e Contemporânea, a tradição religiosa foi se modificando; agora está mesclada e, em boa medida, está em conflito e sendo subjugada pelo pensamento dito científico.

Na verdade, foi justamente a materialização, a idolatria religiosa – seja a dita católica, seja a dita protestante – que gerou esse tipo de ciência que hoje é dominante. Uma coisa é filha da outra. A base, a matriz de toda essa civilização continua sendo aquela religião principal do Ocidente, que é o que o mundo chama de Cristianismo.

Apenas, na Idade Moderna e Contemporânea, essa influência se tornou menos explícita e mais indireta, com a intermediação do pensamento laico. Mas ainda a religião dominante no Ocidente é o Cristianismo, isso que se chama de Cristianismo. Muitos chamam a isso de tradição judaico-cristã – e na verdade é, tanto judaico como greco-latina e cristã. E, se falamos também em tradição judaica e em tradição greco-latina, estamos falando daquelas tradições que influenciaram o Judaísmo e a cultura greco-romana. Chegamos então nas culturas da Mesopotâmia e do Velho Egito.

Tudo isso está na base da civilização ocidental, a qual está amplamente dominando o mundo, como é tão claro.

“A fé cristã é a herdeira direta da velha fé romana. Roma foi a herdeira da Grécia, e a Grécia do Egito, de onde se originaram o legado de Moisés e o ritual hebraico.

O Egito foi apenas o foco de uma luz cuja verdadeira fonte e centro era o Oriente em geral – Ex Oriente Lux. Pois o Oriente, em todos os sentidos, geograficamente, astronomicamente e espiritualmente, é sempre a fonte de luz.

Mas, embora originalmente derivada do Oriente, a Igreja de nossos dias e de nosso país é modelada diretamente a partir da mitologia greco-romana, e de lá retira todos os seus ritos, doutrinas, cerimônias, sacramentos e festivais. (…)

Extraindo sua essência-vital diretamente da fé pagã do velho mundo Ocidental, o Cristianismo mais proximamente se parece com seus pai e mãe imediatos, do que com seus ancestrais remotos, e será, então, melhor exposto com referência a suas fontes da Grécia e de Roma, do que com referência a seus paralelos bramânicos e védicos”. [The Credo of Christendom (O Credo do Cristianismo), pp. 94-95]

Foi essa civilização ocidental – com todas essas influências, mais o pensamento laico científico moderno – que resultou no Liberalismo e no Marxismo, que até hoje são as principais e dominantes filosofias sociais e que, portanto, são as principais matrizes dos modelos de organização sociopolítica.

Essas filosofias, materialistas e materializadas, criaram um novo sacerdotalismo, que até certo ponto combate e domina, como disse, o sacerdotalismo religioso. Sabemos, inequivocamente, que elas são dominantes porque são elas que estão formatando as instituições, as principais instituições que organizam a vida sociopolítica dos principais países, isto é, dos países que dominam a maior parte do mundo. Isso tudo, como disse, tem como base essa degeneração da verdadeira religião cristã, que está fundamentalmente ligada ao Budismo, assim como aos ensinamentos de Pitágoras.

O Cristianismo como está hoje – dominado pela idolatria literalista do sacerdotalismo – com o modelo civilizatório por ele influenciado, com a violência crescente entre os humanos e para com os animais, com a destruição de elementos importantes do meio ambiente natural, está levando o mundo direto para a colisão com o iceberg das catástrofes ambientais e sociais, que talvez se iniciem com as pandemias que, até mesmo segundo o relato de trabalhos científicos, podem ocorrer em um futuro não muito distante.

Chegamos nesse ponto porque esse falso Cristianismo, com seu sacerdotalismo, com seu literalismo, com sua superficialidade e com sua idolatrização das Escrituras Sagradas gerou, direta ou indiretamente, e continua apoiando, instituições incapazes de organizar o mundo de uma forma satisfatória, equilibrada e justa.

Então, é urgente uma reinterpretação, um resgate do verdadeiro Cristianismo, o qual, segundo a Dra. Anna Kingsford, é uma continuação e compõe uma unidade, um todo harmônico, com a base dos ensinamentos sagrados que o antecederam, especialmente, repito, com os ensinamentos genuínos e corretamente interpretados do Buda Gautama e de Pitágoras.

Admitindo essa última afirmação como verdadeira, teremos, necessariamente, que resgatar, que restaurar a verdadeira religiosidade dessa tradição una, pois disso dependeriam as possibilidades de novas instituições, de novos instrumentos de organização sociopolítica que nos permitiriam evitar e superar o iceberg que se aproxima, se é que isso ainda é possível; se é que é possível, depois de tanta crueldade, evitar essa colisão.

Mas, mesmo que isso não seja mais possível, ainda assim, temos o dever e a necessidade de nos preparar para o day after, o dia seguinte. Pois tudo continuará após o iceberg, e temos que trabalhar por tão esperados melhores dias, com ou sem colisão com o iceberg. Temos que, queiramos ou não, semear as boas sementes para antes, durante e depois, pouco importa, das catástrofes, que hoje se afiguram como quase inevitáveis, mais cedo ou mais tarde. Mas, quando os profetas falam essas coisas, quem lhes dá ouvidos? E é justamente essa surdez que torna as catástrofes tão inevitáveis. Paciência e oração…

Repetindo, e tentando resumir, para melhorarmos as bases da civilização ocidental precisamos melhorar o Cristianismo que aí está. Precisamos resgatar, precisamos restaurar, como fizeram Kingsford e Maitland, o verdadeiro Cristianismo, o qual, segundo esses profetas, compõe uma totalidade com o Budismo e com os ensinamentos de Pitágoras. Com esse resgate poderemos ter uma verdadeira visão de Deus, de ser humano, de caminho espiritual e de valores éticos. E, ao externalizarmos essa visão em nossa maneira de viver, individual e coletivamente, ela irá se converter em novas instituições sociais: jurídicas, políticas, educacionais, econômicas e assim por diante. Disso, segundo os profetas Kingsford e Maitland, “nascerá a esperada redenção do mundo”. (The Perfect Way, p. 252)

VIVIANE: O Oriente parece ter uma tradição mais ligada aos símbolos do que o Ocidente. Vemos, por exemplo, a dança indiana, que é toda simbólica. Os orientais aparentemente têm essa ligação maior com os simbolismos religiosos. Esse contato maior com os símbolos facilita seu entendimento?

ARNALDO: Acredito que a maioria do povo oriental, quando interpreta os símbolos, não o faz bem, inclusive os seus próprios símbolos. Por isso a religião oriental está como vemos. O que acontece é que eles aceitam mais – não que entendam mais – porque isso faz parte da sua cultura rigidamente estratificada.

Gostaria de ressaltar que estratificação rígida é diferente de um simples e natural escalonamento. Na sociedade humana não é algo benéfico essa rígida estratificação, no sentido de impor que a pessoa que está aqui não possa chegar ali mais adiante, como ocorre nas degeneradas castas indianas. Nessa cultura, quem é de uma casta deve viver e morrer nessa casta.

Essa é uma degeneração de um princípio sagrado, de uma lei verdadeira e da maior importância que é o ensinamento que deu origem às castas, mas que estão desde tanto tempo degeneradas. Esse escalonamento social não é mais entendido como reflexo do caráter, dos níveis evolutivos das Almas, mas, na degeneração atual, é determinado pela casta em que a pessoa nasceu. Na verdade, o valor interno, o caráter, é que deve determinar o escalonamento; é de dentro para fora e, idealmente, depende do nível de maturidade da Alma. E não determinado de forma rígida, pelo grupamento social em que o ser humano nasceu.

“Acima o céu, abaixo o lago: a imagem da CONDUTA.

Assim o homem superior discrimina entre o alto e o baixo e fortalece desse modo a mente do povo.

O céu e o lago evidenciam uma diferença de altitude inerente à essência dos dois, e que, por isso, não desperta inveja.

Assim também entre os homens há, necessariamente, diferenças de nível. É impossível chegar a uma igualdade universal.

Porém, o que importa é que as diferenças de nível na sociedade não sejam arbitrárias e injustas, pois nesse caso a inveja e a luta de classes inevitavelmente se seguiriam. Se, ao contrário, às diferenças de nível externo corresponderem diferenças de capacidade interna, e o valor interno for o critério para a determinação da hierarquia externa, a tranquilidade reinará entre os homens e a sociedade encontrará ordem”. (p. 56) [Lu – A Conduta (Trilhar) – Hexagrama nº. 10 do I CHING: o Livro das Mutações; grifos nossos]

VIVIANE: Parece difícil para o ser humano, com o conhecimento que tem, na forma como vê o mundo, fazer essa distinção, determinar o nível externo, social, a partir do interno, do caráter dos indivíduos.

ARNALDO: Realmente é difícil, mas sua importância é decisiva se quisermos uma ordem social justa e com chances de superar os imensos problemas que aí estão, pois disso depende a possibilidade de uma boa escolha dos dirigentes, sem o que não há qualquer possibilidade de uma ordem social harmônica.

No Humanitarismo, o sistema que temos proposto, derivado logicamente de uma razoável base filosófica e religiosa cristã budista, isto é, católica, universal, resolvemos esse problema da excessiva estratificação, ou do excessivo igualitarismo, aceitando um escalonamento sem rigidez, mostrando que podem ser definidos níveis com liberdade, através de eleições, como, em alguma medida, faziam os soviets russos – só que de uma forma mais satisfatória, mais digna, mais coerente com a dignidade humana, porque lá não havia liberdade e nossa proposta é baseada na liberdade. Não numa falsa liberdade absoluta, não na liberdade do tipo “raposa dentro do galinheiro”, porém na liberdade irmanada à fraternidade, que implica num escalonamento harmônico da liberdade e da responsabilidade, de forma proporcional e pertinente.

Como isso é possível, ou seja, criar-se uma ordem harmônica, sem ignorar que existe o escalonamento e sem excessivo igualitarismo? Dando liberdade para as pessoas escolherem seus representantes, só que em pequenos grupamentos sociais, a partir de pequenas populações, ou de uma base micro distrital. Dessa forma as pessoas podem se conhecer pessoalmente e se cria um primeiro colégio de representantes com liberdade, igualdade de oportunidades e adequação entre as capacidades e os níveis de responsabilidade.

Desse modo, esses primeiros representantes micro distritais vão escolher seus representantes municipais (pequenas municipalidades); esses representantes das pequenas municipalidades vão escolher os representantes das micro regiões; a partir daí, analogamente são escolhidos aqueles das regiões (ou estados), e assim chegando às Assembleias Nacionais e, futuramente, até um Governo Mundial.

Em um sistema assim, primeiro você faz a adequação à estrutura da maturidade das Almas, construindo um escalonamento, mas não despoticamente. As pessoas escolhem em liberdade, dentro dos diferentes níveis escalonados. Entre outros fatores cruciais, somente assim se preserva a igualdade de oportunidades, tanto quanto possível, em nosso mundo de tantas limitações.

VIVIANE: Quem determina quem é de que nível?

ARNALDO: A própria população, os próprios indivíduos, ao escolherem livremente seus representantes, em cada nível do escalonamento social, como sinteticamente descrevemos.

VIVIANE: As pessoas mesmas se qualificam?

ARNALDO: Naturalmente haverá regras eleitorais pertinentes a esse novo modelo de escolha dos dirigentes. O decisivo é entendermos a importância fundamental dos pequenos grupamentos humanos e o absurdo das escolhas de grandes massas humanas.

Quando um pequeno grupo social escolhe livremente seus representantes – por exemplo, os representantes de um pequeno micro distrito, onde os indivíduos possam se conhecer pessoalmente sem muita dificuldade – escolhe as pessoas que considera mais capazes de representá-lo, para fazer as leis etc.. Quando se trabalha com uma população eleitoral grande, com muitos milhares, ou mesmo milhões, isso se torna uma imoralidade, é algo injusto e incompetente, porque a igualdade de oportunidades desaparece, entre outros problemas. A injustiça se instala no seio da ordem social. Não se consegue mais harmonia entre o nível interno de maturidade e o nível externo no escalonamento social. A partir disso é só conflito, corrupção, violência, maus exemplos, más decisões. Não há mais solução possível, o conflito segue-se de forma inevitável, como na passagem citada do antiquíssimo I Ching. É só olhar para nossa sociedade, para nosso país. Ou para o mundo.

VIVIANE: Para eleger esse tipo de representante o grupo escolhe entre “x” pessoas que se autodeclararam com capacidade para tal função. Mas essa declaração individual não impede que alguém não capaz seja candidato e eleito, mesmo sem ser capaz. Você acha que o ser humano tem capacidade para fazer esse escalonamento?

ARNALDO: Com certeza tem essa capacidade, desde que haja justiça, ou seja, liberdade e igualdade de oportunidades no processo de escolha. Por isso é humano, por isso a liberdade de escolha é um valor fundamental. O Humanitarismo, como o radical da própria palavra indica, é uma afirmação de confiança no humano. A verdadeira humanidade é divinamente inspirada, pois foi feita à imagem e semelhança de Deus.

O Humanitarismo se preocupa, antes de qualquer outra questão de organização sociopolítica, em oferecer um processo correto e justo de escolha dos representantes. Sim, a humanidade tem essa capacidade, repito, desde que o processo seja justo, ou seja, desde que se preserve a liberdade, a igualdade de oportunidades e a adequação entre níveis de capacidade e níveis de escolha ou responsabilidade social.

O gradiente das consciências e algo como uma pirâmide. E no topo da humanidade estão almas bem próximas da divindade, da verdade e do amor. E esse topo também faz parte da família humana. Assim, como já falava o velhíssimo I Ching – que é considerado como talvez sendo o livro mais antigo conhecido – a questão é a harmonia entre o poder externo e as capacidades internas.

O cerne do problema político, o primeiro problema em ordem de importância, é como escolher bem os representantes, e a solução desse problema crucial, como explica o Humanitarismo, como também já explicava o tão antigo I Ching, entre tantas outras Escrituras inspiradas divinamente, depende necessariamente da existência de um escalonamento digno, que não ofenda a dignidade divina do ser humano. Uma verdadeira religião deve inspirar a solução desse primeiro e mais importante problema político. Pois disso depende vitalmente o bem estar coletivo.

O segundo principal problema político é como dotar esses representantes de suficiente poder para tomarem e sustentarem as decisões necessárias. Podemos ter um bom governante e ele pode não ter em suas mãos o necessário poder. Ou ter alguém com muito poder que é um déspota, que não é um bom governante. O objetivo maior, a primeira e mais importante questão da organização sociopolítica é, como dissemos, escolher bem os nossos representantes. E, depois disso, dotar esses representantes, escolhidos com justiça e competência, do necessário poder para sustentar suas decisões.

VIVIANE: Como fazer isso?

ARNALDO: Já dissemos que o primeiro passo é garantir a liberdade. Sem liberdade as pessoas olham e com razão se questionam: “Quem escolheu isso?” Liberdade é essencial. Até mesmo para uma criança é preciso dar uma boa dose de liberdade – mas não pode ser liberdade absoluta. Esse parece ser o ponto crucial de toda a questão da organização sociopolítica: a liberdade deve estar adaptada ao nível de consciência de cada um. E isso é impossível sem um digno e justo escalonamento. Sem isso, todo o mais fica corrompido, não há mais solução possível.

Em segundo lugar, como também já foi dito, precisamos ter igualdade de oportunidades. Sem a igualdade de oportunidades, é como se em um exame um candidato recebesse o gabarito das respostas e os outros não. Se não houver igualdade de oportunidades o processo está viciado, é injusto, é corrupto e corruptor, como no caso do nosso sistema sociopolítico baseado nos princípios equivocados do Liberalismo, ou daqueles sistemas baseados no Marxismo.

E por último, mas não menos importante, tem que haver adequação entre o nível de escolha e o nível de compreensão daquela população. Por exemplo: em 1993 houve um plebiscito para escolher entre os sistemas de governo presidencialista e parlamentarista. Naquela ocasião, a metade da população eleitoral brasileira não sabia distinguir entre um e outro. Assim, não tem sentido fazer uma escolha desse tipo, ainda mais com voto obrigatório.

O povo não estava capacitado para decidir diretamente sobre aquela questão macro social. Mas estava e está preparado para saber, em sua pequena comunidade, quem pode representá-lo para defender seus interesses em sua vizinhança, ou micro distrito. Toda a vida da organização sociopolítica, necessariamente, deve iniciar por ali, de forma natural, adaptada aos níveis das consciências, de forma digna, justa e competente.

Se não for assim, pode preparar o bote salva-vidas, pois o choque com o iceberg será inevitável. É “simples, doce e lógico”, como na frase atribuída ao Buda Gautama. Mas nossas elites, nossos irmãos de maior poder intelectivo, parecem preferir, por assim dizer, a injustiça, a crueldade e o delírio. Isso acontece, como vimos, por terem suas mentes dominadas pelos sacerdotalismos, quer o sacerdotalismo dito religioso, quer o sacerdotalismo dito científico.

É muito mais fácil, lógico e justo poder escolher numa pequena comunidade quem tem capacidade para lutar por nossos interesses. Se nem isso for possível, muito menos será possível decidir sobre questões muito mais abrangentes. É tão evidente e lógico. É, certamente, um processo de escolha dos dirigentes muito melhor do que os que aí estão. E talvez seja o melhor que possamos fazer em nossa época.

Retornando para uma imagem religiosa, podemos ler no Livro de Jó que: “En los ancianos está la sabiduría, y en largura de días el entendimiento”. Ou seja, a sabedoria está com os “mais velhos” – com aqueles que possuem maior “idade”, e assim maior capacidade da Alma. (Jó, 12:12) Naturalmente, trata-se de uma alegoria àqueles de maior maturidade interna, ou de Alma, e não à mera idade cronológica do corpo, como podemos ler no Livro da Sabedoria: “Velhice venerável não é longevidade, nem é medida pelo número de anos; as cãs do homem são a inteligência, e a velhice uma vida imaculada”. (Sabedoria, 4:8-9)

Mas isso só pode ser julgado de forma digna, justa e competente pela comunidade se houver a necessária liberdade e a necessária igualdade de oportunidades. Fora disso, onde poderemos encontrar dignidade e justiça? E sem dignidade e justiça, podemos esquecer a harmonia e a paz. Na Bíblia, entre outras passagens, isso também está implícito no ensinamento da Filosofia Perene contido na passagem que diz: “buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”. (Mateus, 6:33) Naturalmente, essa frase tem muitos níveis de significado, mas ela também se aplica às condições fundamentais da organização social, da organização política das sociedades e, portanto, de um processo justo de como escolher os dirigentes.

Nesse processo, repito, é importante levar em consideração que o colégio eleitoral precisa ser pequeno – se for grande, o dinheiro, os bens e o poder material, a máquina eleitoral, a comunicação de massa e seus vendilhões sempre falarão mais alto.

O colégio eleitoral precisa não ferir a justiça da igualdade de oportunidades, e precisa estar adaptado ao nível de consciência das pessoas, isto é, os problemas e as questões a serem examinadas e decididas precisam não extrapolar a abrangência do nível de compreensão ou do alcance das consciências daquele colégio eleitoral. E isso não pode ser alcançado fora de colégios eleitorais pequenos e gradualmente escalonados, onde essa adequação possa ser mantida, junto com a liberdade e a igualdade de oportunidades. Fora disso, ou seja, sem justiça, podemos esquecer a harmonia social.

Se me permite, vou repetir, por ser tão importante, esse ponto de que, na prática, cada um dos colégios de representantes escolherá os representantes do nível superior – toda a vida política se iniciando, naturalmente, no nível mais básico, no nível do que podemos chamar de micro distritos eleitorais.

Todo o escalonamento inicia com um micro distrito, como, por exemplo, um conjunto de quadras de uma cidade, onde os indivíduos possam se conhecer pessoalmente sem máquinas eleitorais e perversões desse tipo. A partir daí segue-se para o nível de uma pequena municipalidade, daí segue-se para o nível que não existe em nosso país, mas é importantíssimo para a administração pública, que é o nível micro regional. Ou seja, a base, os níveis da base da pirâmide do escalonamento sociopolítico são os micro distritos, as pequenas municipalidades e as microrregiões.

Nos países economicamente mais avançados há esse nível político-administrativo após a municipalidade, que é chamado, no caso dos EUA, de condado. Um nível político-administrativo intermediário entre o município e os estados. Na França, apenas para citar outro exemplo, entre o município e o país há os départements – e o tamanho da França não é muito diferente do tamanho do nosso estado de São Paulo, por exemplo.

Todo esse processo vai qualificando naturalmente os representantes e cria um sistema que é lógico, justo, que não fere mortalmente a igualdade de oportunidades, e que segue o escalonamento que é inerente às diferenças das idades das Almas humanas. Como já dissemos, é condição sine qua non para a justiça que haja igualdade de oportunidades na escolha dos representantes – igualdade de oportunidades nas disputas eleitorais.

Há outro aspecto complementar importantíssimo – que muitos não compreendem claramente – que é a consideração desse sistema em relação ao poder das grandes corporações que hoje dominam o mundo, ao dominarem os principais países do mundo.

Esse poder das grandes corporações é simplesmente avassalador na atualidade. Se examinarmos, por exemplo, os Produtos Internos Brutos, os PIBs dos 100 maiores países e compararmos com o Produto gerado pelas maiores corporações econômicas, veremos que há no mundo muitas corporações com Produtos maiores do que muitos desses países, que figurariam nessa lista dos 100 maiores. Isso, é claro, significa um enorme poder de influência, sobretudo em um sistema tão injusto e que privilegia o dinheiro e as máquinas eleitorais.

Nesse sistema, das ditas “democracias” liberais da atualidade, as grandes corporações possuem um poder descomunal e o Estado se torna uma organização à mercê dessas grandes corporações. Os estados, as organizações estatais, em nossos dias, não têm como equilibrar e regular o poder dessas corporações que defendem interesses privatistas, e não públicos, não o bem estar de todos.

O sistema proposto pelo Humanitarismo tem a propriedade de organizar a população inteira de um modo que, por exemplo, dificilmente possa ser reprimido. Da forma que o sistema está hoje, se as corporações militares apoiadas pelas grandes organizações econômicas privadas quiserem intervir com golpes de estado, não há defesa contra isso, como se tem visto em tantos exemplos.

A população está mal organizada, fragmentada, frouxa, pois a distância dos colégios eleitorais é imensa. Há um enorme abismo entre o povo e os representantes nacionais, sem falar na qualidade dos dirigentes. Ou seja, além de escolher muito mal os representantes, que é sua maior falha e fraqueza, esse sistema, ao deixar a população tão distante dos seus representantes, gera uma debilidade diante, sobretudo, das grandes corporações.

No sistema aqui proposto não há esse vazio, esse vácuo. As assembleias são pequenas, podem se reunir praticamente em uma sala; os representantes e os representados estão sempre próximos e, assim, cria-se uma coesão social, uma força sociopolítica que é capaz de fazer frente, de equilibrar e regular o poder das grandes corporações.

Novamente, é tão simples e lógico. Pelo menos deveríamos compreender que se esse sistema proposto pelo Humanitarismo não for capaz de selecionar lideranças competentes, e de gerar o vigor, a força política suficiente para regular o poder das grandes corporações, muito menos o será o atual sistema, injusto, incompetente e débil.

VIVIANE: Do modo como você desenha o panorama, vemos que a política reinante é a do poder econômico. Você acredita que no sistema atual é difícil para o povo se defender, para os governantes se defenderem. Não teria como, de algum modo, adaptar essa situação?

ARNALDO: Do modo como os países estão hoje organizados o mundo não tem nenhuma possibilidade de evitar as grandes catástrofes, de superar a imoralidade e a violência na qual vivemos. Os grandes problemas mundiais não têm soluções consistentes e os governantes são bedéis das grandes corporações. O mundo hoje é, já disse, como um Titanic, orgulhoso de seus inegáveis avanços científicos e técnicos, porém seguindo firme em direção ao iceberg das catástrofes, e não temos sequer os instrumentos organizacionais para evitar isso. É a situação do mundo hoje.

Nesse sistema proposto, que é a derivação lógica de todos esses princípios filosófico-religiosos, encontra-se o esboço de um instrumento social, de instituições sociais capazes de gerar soluções consistentes para os grandes problemas.

Não sei se conseguiremos impedir o desfecho das grandes catástrofes, porque muitas vezes o ser humano precisa ir ao fundo do poço para então buscar sua regeneração. O fato, contudo, é que hoje não existe uma solução consistente para os grandes problemas, e a tendência clara é que esses aumentem, até chegarmos às situações catastróficas.

Assim, precisamos melhorar, resgatar a verdadeira base filosófico-religiosa, porque essa base religiosa que hoje predomina está grandemente corrompida pela idolatria e pelo materialismo dos sacerdotalismos, quer religiosos propriamente, quer ditos científicos.

O estado atual das religiões não permite o advento de instituições justas e das consequentes soluções consistentes; são idólatras e materializaram os símbolos sagrados. Pegam uma frase como aquela de Jesus “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João, 14:6) e personalizam, dizendo que aquele ser que viveu na Palestina é o único caminho, a única verdade e a única verdadeira vida. Não compreendem que esses ensinamentos referem-se a questões muito maiores. Não compreendem, como disse São Paulo, que “a letra mata” (Coríntios, 3:6) – mata primeiro espiritualmente, depois fisicamente, porque gera instituições que levam à morte como as que dominam e formatam o mundo de nossos dias. Estamos, em resumo, caminhando para grandes crises, devido a estarmos semeando dor, violência e destruição. E sem chances, dentro do quadro atual, de evitarmos essas consequências.

O mundo é dominado, hoje, pelas grandes corporações e elas lutam entre si pelos ganhos privatistas. Quando a situação fica difícil, elas então se aliam: é a lei do lucro, do mais forte, é a lei da selva. E quem hoje pode contra isso? Ninguém. Essas organizações são o que há de mais forte no planeta. Por isso é fundamental que criemos as condições para o nascimento de instituições decentes, justas, dignas e competentes, que possam disciplinar os macro agentes que hoje dominam de forma privatista. Instituições que reflitam e que defendam os valores do bem-estar da humanidade coletivamente considerada, ou seja, instituições humanitaristas, pois essa palavra – humanitarismo – quer dizer isso, preocupação com o bem estar de todos, mesmo no dicionário.

VIVIANE: Você fala em igualdade de oportunidades e da necessidade de levar em conta o nível de maturidade das Almas. Como é feita essa diferenciação?

ARNALDO: A incapacidade do mundo atual de fazer isso, que não é coisa tão complicada afinal, repousa nas falhas de interpretação, nas equivocadas interpretações de seus símbolos e alegorias religiosas e filosóficas. A matriz, a base de nossos principais problemas está justamente nessa carência de corretas interpretações desses principais símbolos e alegorias.

Essa dificuldade existe porque não vemos a humanidade como ela realmente é. Não percebemos a família humana com seus diferentes níveis de maturidade das Almas, como na alegoria do sonho da escada de Jacó. Não percebemos, em resumo, nem a diversidade de capacidades, nem a Unidade Divina subjacente. E sem isso não há soluções consistentes possíveis. É tão simples, mas talvez para ver com clareza essa simplicidade seja necessária certa profundidade, certa elevação na visão. Aí, não havendo essa elevação, havendo, como hoje, o domínio dos sacerdotalismos idólatras ou materialistas, parece que poucos alcançam compreender a importância decisiva desses aspectos simples e fundamentais, como os que transparecem do sonho de Jacó, ou seja: “a Unidade na Diversidade”.

“Partiu, pois, Jacó de Beer-Seba e se foi em direção a Harã; e chegou a um lugar onde passou a noite, porque o sol já se havia posto; e, tomando uma das pedras do lugar e pondo-a debaixo da cabeça, deitou-se ali para dormir.

Então sonhou: estava posta sobre a terra uma escada, cujo topo chegava ao céu; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela; por cima dela estava o Senhor”. (Gênesis, 28:10-13)

Outro exemplo, entre outros tantos, dessa simplicidade fundamental decisiva, está naquela parábola, já citada aqui, do senhor que ia viajar, chamou seus servos e deu a cada um talentos (dinheiro, recursos, poder etc.), a cada um, diz a parábola, segundo suas capacidades. (Mateus, 25:14-29) Quando voltou, cobrou de cada um segundo suas conquistas da Alma, segundo suas capacidades.

Não vemos com clareza, nos símbolos das religiões, essa diferenciação, essas diferenças, com a necessária Unidade subjacente. O sacerdotalismo, quer religioso, quer científico, tem sido vitorioso, até aqui, na sua luta contra os profetas, como o foram, na época, contra o Cristo Jesus. Tem sido vitorioso até aqui, embora, parece, seus dias trevosos estejam caminhando para um final. Até hoje, contudo, tem sido dominante na sua deturpação literal e idólatra dos símbolos sagrados, e em seus sermões vão dando os mesmos falsos conselhos a todos, como nos igualitarismos dominantes.

Na mitologia grega temos a história de Procrustes, mencionado em citação, que ilustra esse mesmo aspecto. Ele recebia peregrinos em sua hospedaria e depois de lhes alimentar, convidava para dormir em sua cama, onde só podiam deitar os que fossem exatamente do mesmo comprimento. Os menores do que a cama de Procrustes eram esticados pelas pernas e braços; os maiores tinham as extremidades cortadas para ficar do mesmo tamanho. Essa é uma representação muito boa das ideias dominantes em nosso atual momento de civilização. Vemos esse comportamento reproduzido nas religiões, na ciência, na política e na educação, que exigem das pessoas a mesma capacidade. É tão cruel quanto real.

A conscientização dessa diferenciação começa com a interpretação correta dos símbolos filosófico-religiosos. Pois a verdadeira religião é a ligação com o Elevado, com o Centro, com o Buda e o Cristo em nós, ou, se quisermos, é a ligação com o Alto e o Profundo, que é o mesmo que Deus.

A base do ensinamento budista, pelo menos dentro do Cristianismo Budista – uma vez que deveria tratar com clareza do Carma e da Reencarnação, que são as duas colunas que nos explicam os diferentes níveis de maturidade das Almas – deveria cumprir essa finalidade fundamental, quanto à interpretação dos símbolos sagrados nessa tradição, que é ao mesmo tempo cristã e budista. Essa que, como vimos, precisa restaurar a sua forma degenerada, a qual está na base da civilização ocidental, que hoje domina o mundo, para o bem e para o mal.

VIVIANE: O Carma e a Reencarnação são a resposta para essa incógnita, da diferenciação dos níveis das Almas?

ARNALDO: Exato. Essa é a base do Cristianismo verdadeiro, o Cristianismo que está unido numa mesma corrente ao Budismo. Que pode, assim, interpretar corretamente o Sermão da Montanha, as alegorias do Gênesis, dos Profetas, do Novo Testamento, das Cartas e do Apocalipse. É preciso a base do Budismo para entender a linguagem dos profetas, do Gênesis ao Apocalipse. Sem a base filosófica do Budismo, não é possível entender satisfatoriamente as Escrituras cristãs. E sem esse complemento do Cristianismo essa tradição fica incompleta. Fica carente, sobretudo, dos ensinamentos acerca dos Mistérios e das Iniciações, que são como pontes que unem, de forma razoável e lógica, as etapas finais da evolução das Almas, até a fusão consciente com a Realidade Divina, ou, com o Reino de Deus. Por essas razões, iniciamos essa obra com a citação dos profetas que foram a Dra. Kingsford e Maitland, citação que nos diz, na sua simplicidade, que: “Da união espiritual na fé una do Buda e do Cristo nascerá a esperada redenção do mundo”. (The Perfect Way, p. 252)

VIVIANE: Sem essa complementação tudo fica muito literal.

ARNALDO: E se fica literal, como ensina São Paulo, “a letra mata”.

VIVIANE: Você acha que a globalização facilita para as pessoas entenderem essa ligação cristã budista? Tempos atrás parece que era mais difícil.

ARNALDO: Como instrumento, como ferramenta, a globalização deve facilitar. As coisas não são por acaso – tudo tem seu momento. Mas eu não estou falando, como os materialistas, que por causa da globalização o entendimento possa acontecer. A globalização está gerando meios, instrumentos, ferramentas, por assim dizer. E como toda ferramenta, tanto pode ajudar quanto pode atrapalhar. Quanto mais poderosa é a ferramenta, mais perigosa ela é. E como a globalização é um processo que está gerando ferramentas muito poderosas – tanto pode ajudar muito, quanto prejudicar muito. Não é o que podemos observar em nossos dias?” (Arnaldo Sisson Filho; com Viviane Pereira. Segunda parte do sexto capítulo da obra A Roda e a Cruz: Uma Introdução ao Cristianismo Budista. Brasília, Roda e Cruz, 2012. pp. 217-239)